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A crise nas Lojas Americanas persiste ainda mais com a descoberta de desequilíbrios contábeis. O CEO Sérgio Rial, em 11 de janeiro/23, afirmou aos investidores que estas discrepâncias chegavam ao valor de R$ 20 bilhões. Entretanto, alguns dias após, o montante se mostrou ser bem maior do que o esperado.
Rial, logo nove dias após sua nomeação, pediu para sair em meio ao escândalo. O impacto foi como se um terremoto tivesse atingido o mercado financeiro, com as ações da companhia caindo drasticamente no dia após o anúncio do déficit. Os prejuízos permaneceram nos dias subsequentes.
As dívidas das Lojas Americanas aumentaram em mais de R$ 40 bilhões em poucos dias, mas não haviam sido mencionadas nos relatórios financeiros, o que poderia significar que estavam "ocultas".
De acordo com Rial, a maior parte dos prejuízos foi causada por operações de "risco sacado", ou ainda como conhecido por especialistas de “forfait” - O Desconto à Forfait ou Forfaiting, é uma prática comercial internacional que oferece prazos e condições de financiamento atrativos, nas quais recursos bancários são usados para liquidar fornecedores. Infelizmente, tais valores passaram despercebidos durante a auditoria realizada pela prestigiosa PwC.
A empresa varejista, que conta com mais de 3.600 lojas, 40 mil colaboradores e 16 mil credores, recebeu a autorização de recuperação judicial pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
Muitos fatores contribuíram para a desastrosa queda das finanças da maior empresa de varejo do Brasil. Vejamos algumas:
Registro na contabilidade do “risco sacado (forfait)”
Ao invés de esperar pelos pagamentos dos clientes no varejo, os fornecedores podem usar o "forfait" ou "risco sacado" para antecipar o recebimento de seus valores em um prazo de vencimento maior.
A necessidade de se efetuar os pagamentos aos fornecedores dentro de um curto período de tempo faz com que a revendedora se veja obrigada a recorrer a empréstimos bancários para poder quitar essas quantias. Assim, o banco passa a ser o credor da varejista, uma vez que foi ele que realizou os pagamentos.
Aparentemente, o que a Lojas Americanas pode ter feito foi não contabilizar sua passividade com bancos como dívida financeira, e sim, devedora de fornecedores, assim, ao enviar seus resultados ao mercado de capitais, a varejista não os expõe.
Assim, os encargos aos bancos sobre o empréstimo não foram registrados como aumento da dívida, mas sim como despesas. Isto não modificou de imediato o montante da dívida, já que só foi contabilizado o valor original. No decorrer do tempo, teremos de levar em conta os juros, o que acarretará o acréscimo da dívida.
Nas últimas décadas, as instituições financeiras têm disponibilizado ao público o produto "risco sacado", fazendo uma chamada para o seu uso, destacando que não adicionaria ao peso da dívida.
A partir de 2016, a CVM adotou a postura de esclarecer os riscos desse tipo de operação ao enviar circulares ao mercado. Esta medida veio como uma resposta à constatação de problemas em algumas empresas.
É fundamental que as informações financeiras sejam claras e acessíveis para assegurar o bom funcionamento do mercado de capitais.
Após o caso das Lojas Americanas, a figura do "risco sacado" deve ser considerada com mais rigor no mercado.
Falhas na auditoria
A partir de 2019, a PwC tem se responsabilizado por auditoria dos balanços das Lojas Americanas, substituindo assim a KPMG que também integra o seleto grupo dos quatro maiores auditores globais.
Os relatórios emitidos pela PwC não levantaram suspeitas sobre nenhuma discrepância nos controles de "risco sacado". Todavia, ao divulgar o colapso financeiro da Americanas, o Conselho Federal de Contabilidade iniciou uma investigação sobre a postura da auditoria independente.
O assunto da independência das auditorias é amplamente debatido, tendo em vista que são remuneradas pela entidade auditada. Outra preocupação se prende às enormes dimensões e volume dos negócios atuais, como se podem ser acompanhados por essas firmas de auditoria?
Durante as últimas duas décadas, temos visto inúmeras instâncias em que as organizações de auditoria não conseguiram detectar problemas nas companhias de capital aberto, acabando, de algum modo, envolvidas neles. Esta questão ganha força novamente: a auditoria é realmente tão segura quanto se espera, ou o modelo precisa ser melhorado?
No início dos anos 2000, uma companhia de energia americana veio à falência após ocultar débitos de 25 bilhões de dólares por um período de dois anos. Esse escândalo envolveu a conhecida auditoria Arthur Andersen, então um dos maiores desta área no mundo, que fazia parte da chamada "big five".
Auditorias usualmente são realizadas com base em estatísticas, não abrangendo todos os procedimentos, mas verificando amostras e extrapolando resultados para a análise do todo.
Omissão dos bancos como credores
O elemento-chave deste processo, especialmente no caso do "risco sacado", é a obrigação dos bancos de notificarem os auditores quanto ao montante envolvido nas operações feitas com os fornecedores.
Os bancos deveriam ter alertado os auditores sobre o "risco sacado" quando entraram em contato para conferir os valores devidos pela Lojas Americanas.
Essas entidades financeiras emprestaram bilhões de reais a uma empresa. Não haveria sido melhor fazer uma análise mais profunda antes?
Leia: Saiba o que é regime tributário e qual a importância para sua empresa
Os controles internos da Americanas falharam
A incógnita primordial, entretanto, é como a Lojas Americanas, uma companhia de ações de grande porte, conseguiu encobrir por tanto tempo o rombo bilionário cometido pelos próprios gestores e administradores.
Na arena de negócios de capital aberto, os dirigentes do conselho são responsáveis por conferir e aprovar as demonstrações contábeis. Suas assinaturas não são simbólicas, pois os proprietários da empresa têm acesso a todos os dados relacionados às demonstrações.
O que vem a seguir?
O recurso ao Processo de Recuperação Judicial garante que, mesmo sob pressão econômica, empresas, como é o caso da Lojas Americanas, cumpram com seus compromissos. Dentre os mais importantes, estão a preservação dos empregos dos colaboradores e a quitação de dívidas com fornecedores. Após um período de 60 dias, um plano de reorganização é submetido para aprovação de pelo menos a metade dos credores.
A recuperação judicial da Lojas Americanas proporcionará um ajuste na dimensão da dívida. Infelizmente, é provável que esse ajuste se reflita no número de trabalhadores, uma consequência da sua aplicação.
Dando uma análise financeira, pode-se ver que a empresa não terá mais acesso a créditos, visto que ninguém está disposto a concedê-los. O que provocou esse cenário foi a falta de confiança para com a empresa, culminando na necessidade de uma recuperação judicial. Outros fatores também colaboram, como a desconfiança dos fornecedores em venderem para a empresa ou o fluxo de parceiros da plataforma migrando para outras lojas com maior legitimidade.
Finalmente, os credores também enfrentarão consequências. Durante o processo de recuperação judicial, as dívidas existentes serão renegociadas para tornar a empresa viável. O pedido visa também a adaptação da dívida a uma nova situação da empresa.
O assunto pode atingir, inclusive de forma fiscal, outros estabelecimentos comerciais, especialmente no que diz respeito à maneira como esses estabelecimentos computam os processos de "risco extraído". Todos os revendedores serão examinados a partir de um registro contábil.
Com informações: Deutsche Welle e Contábeis