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Um operador de produção que foi dispensado sem justa causa dias após atuar como testemunha em uma sindicância sobre assédio sexual deverá ser indenizado por danos morais no valor de R$ 10 mil. A decisão foi tomada pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), que considerou que a dispensa foi discriminatória, reformando a sentença anterior da 4ª Vara do Trabalho de Passo Fundo.
Contexto do Caso
O empregado prestou depoimento como testemunha no dia 10 de novembro de 2022, em uma sindicância que investigava uma acusação de assédio sexual. Apenas 13 dias depois, em 23 de novembro de 2022, ele foi dispensado pela cooperativa onde trabalhava. A mãe da vítima, outra testemunha e a própria vítima do suposto assédio também foram demitidas após participarem da sindicância, enquanto o acusado de assédio permaneceu no emprego.
Durante o processo judicial, um representante da cooperativa declarou que o motivo para a permanência do suposto assediador no emprego seria seu melhor desempenho em comparação aos outros funcionários dispensados. No entanto, esse argumento não foi suficiente para convencer a 3ª Turma do TRT-RS, que entendeu que a dispensa do operador e das demais testemunhas tinha indícios de discriminação.
Decisão da Primeira Instância
Na decisão inicial, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de Passo Fundo não reconheceu a discriminação, entendendo que o ônus de provar o caráter discriminatório da dispensa era do empregado. O magistrado baseou sua decisão no fato de que, no mesmo mês da dispensa, outros 134 trabalhadores também foram demitidos, sugerindo que as demissões poderiam fazer parte de uma redução de quadro. O juiz ressaltou que a proximidade temporal entre o depoimento na sindicância e a demissão era o único elemento que poderia sugerir discriminação.
A sentença de primeira instância enfatizou que a legislação brasileira, exceto para empregados públicos, não exige motivação específica para dispensas, a menos que haja forte evidência de conduta discriminatória. Como o juiz entendeu que essa evidência não estava presente, ele negou o pedido de indenização por danos morais.
Recurso ao TRT-RS
Insatisfeito com a decisão, o trabalhador recorreu ao TRT-RS, onde o caso foi reavaliado pela 3ª Turma. O relator, desembargador Clóvis Fernando Schuch Santos, expressou sua estranheza em relação à sequência de acontecimentos, destacando o fato de que todas as testemunhas da sindicância foram dispensadas, exceto o acusado de assédio sexual.
O desembargador destacou que, em depoimento, o representante da cooperativa afirmou que as dispensas ocorreram por faltas injustificadas. No entanto, segundo o magistrado, esse argumento é contraditório, já que dispensas por motivos justificados geralmente ocorrem por justa causa, e não por dispensa sem justa causa, como foi o caso das testemunhas.
Schuch Santos também ressaltou a aplicação da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece a presunção de que uma dispensa é discriminatória quando há indícios claros de abusos no processo de desligamento. Segundo o desembargador, a cooperativa não conseguiu apresentar provas convincentes para afastar essa presunção, o que levou a 3ª Turma a considerar que a dispensa foi, de fato, discriminatória.
Decisão Final e Consequências
Por maioria, a 3ª Turma do TRT-RS concluiu que a dispensa do trabalhador teve caráter discriminatório e condenou a cooperativa a pagar uma indenização de R$ 10 mil por danos morais ao operador. O voto divergente foi proferido pelo desembargador Francisco Rossal de Araújo, mas a maioria dos votos, incluindo o do relator Clóvis Fernando Schuch Santos e do desembargador Marcos Fagundes Salomão, prevaleceu.
A cooperativa ainda pode recorrer da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas até o momento a condenação está mantida.
Considerações Finais
Este caso ressalta a importância de proteger os direitos dos trabalhadores que, ao atuarem como testemunhas em processos internos de investigação, podem enfrentar retaliações por parte dos empregadores. A decisão do TRT-RS reforça a ideia de que, em casos de dispensa com indícios de discriminação, o ônus da prova recai sobre o empregador, que deve demonstrar de forma clara que a demissão não teve viés discriminatório.
Essa decisão também se alinha ao entendimento consolidado pelo TST por meio da Súmula 443, que busca garantir a proteção dos empregados contra dispensas motivadas por razões discriminatórias, assegurando que qualquer irregularidade nesse sentido seja devidamente reparada com indenizações por danos morais. A continuidade desse entendimento jurídico é fundamental para manter a integridade e a justiça no ambiente de trabalho, protegendo tanto as testemunhas quanto as vítimas de condutas abusivas.
O caso também gera um importante debate sobre a responsabilidade das empresas em criar um ambiente de trabalho seguro e justo, livre de retaliações e discriminação, especialmente em situações que envolvem sindicâncias sobre questões tão graves quanto o assédio sexual.
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